Beatriz Gomes dos Passos e Silva
Na década de 1960 eu era aluna da Escola Normal São José. Foi nesse educandário fundado pelo Professor Bernardo Jucá Júnior (in memoriam), na Cidade de São José do Egito, que eu conclui os meus estudos a nível médio. Em 1966 eu deixava aquela cidade com um diploma de professora primária debaixo do braço, pois havia concluído o Curso o Normal Pedagógico e, no ano seguinte, seguira para Recife, a capital do meu estado, em busca do ingresso na Universidade.
Muitas das lembranças daqueles sete anos, vividos naquela cidade, ainda estão guardadas no baú das minhas memórias. São lembranças de menina, menina-moça e moça feita, pois, quando lá cheguei, eu tinha apenas dez anos de idade, e quando voltei para a casa dos meus pais eu já tinha completado meus dezessete anos.
São José do Egito é uma cidade geograficamente acidentada, cheia de grandes ladeiras e, por esse motivo, costumávamos chamar ruas de baixo e ruas de cima. A minha casa ficava na parte baixa, e o meu colégio na parte alta, não muito longe, pois da varanda do meu jardim eu podia observar os estudantes que se aglomeravam defronte dele, esperando a sineta tocar anunciando que as aulas iriam começar.
Entre o meu colégio e a minha casa, bem no meio da ladeira, ficava a casa de seu Valdevino e Dona Severina, os pais das minhas professoras Carminha e Elvira Gomes (in memoriam). Também moravam nessa mesma rua, "parede de meia" como se costuma dizer lá no meu interior, uma outra filha do casal, Dona Toninha, cuja filha, Socorro Gomes, morava com ela. As duas eram minhas colegas de sala de aula. Dona Toinha, incentivada pelas irmãs e pela filha, resolvera retomar os estudos que havia abandonado nos tempos da juventude. Era uma doce criatura, calma, fina, educada e, como tinha uma idade bem maior do que as colegas de sua turma, era considerada uma espécie de "mãezona", muito querida e respeitada por todas. Aliás, na mesma condição, com idade bem maior que a nossa, estavam Dona Terezinha Ferreira e Rachel Nunes, essa última minha conterrânea, também nascida em Itapetim.
Como em todo colégio, a turma sempre se divide em equipe para fazer trabalhos escolares. Pertencer a equipe de Dona Toinha e Socorro Gomes era um privilégio. Sempre nos reuníamos na casa de Dona Severina para elaborarmos aqueles trabalhos e nada melhor do que ter por perto a saudosa Dona Elvira, que era nossa professora de Inglês, Matemática e Português, e guardando as devidas diferenças, estudar naquela casa se assemelhava ao Google de hoje, tínhamos verdadeiras enciclopédias humanas estavam sempre prontas a nos tirar as dúvidas existentes.
Havia na casa de Dona Severina um outra filha, cujo marido cursava Direito na Cidade de Caruaru e, por força disso, ela morava com os pais. Quando refaço na mente o tempo em que frequentava àquela casa, eu vejo aquela mesa cheia de livros, rodeada de estudantes, jovens alegres que se riam de qualquer bobagem, que no devaneio própria da juventude levavam horas para concluir uma tarefa, daí o importante papel da nossa "mãezona" Dona Toinha, como membro da equipe: - Meninas, desse jeito não vamos terminar isso nunca! Um outro lance na minha memória que se delineia muito palidamente, é uma cena que não fazia parte daquele propósito de estarmos ali, mas era real e não posso ignorá-la. Eram uns meninos que brincavam na calçada, corriam pra lá e pra cá e faziam um enorme alarido. Vezes por outra Socorro, a filha de Dona Toinha, se levantava, ia até a porta e gritava:
- Meninos, parem com essa algazarra, vocês estão nos desconcentrando!
E voltava para retomar a tarefa.
Mas esse meninos não lhe davam ouvidos, parece até que, desafiados, gritavam mais ainda!
E Socorro voltava a ação:
- Tadeu! Tadeu! Sua mãe está lhe chamando para tomar banho! Venha menino, se não eu vou ter que ir pegá-lo.
Eu me lembro do rostinho bonito daquele menino, magricelo, peralta, um pestinha! Ele parecia com um sobrinho meu, Danilo, filho da minha irmã caçula, Rita de Cássia.
Mesmo com todas as dispersões, no final da tarde fechávamos as bolsas escolares com os trabalhos concluídos. Ao anoitecer, o Cine São José que ficava defronte a casa de Dona Toinha, ligava o serviço de som para anunciar a programação cinematográfica para o final de semana, e logo se podia ouvir a voz do locutor:
- O Cine São José estará exibindo neste sábado próximo, a sensacional película cinematográfica : Ben-Hur, com Charlton Heston, não percam, ingressos na bilheteria a partir ...
E assim, entre um anúncio e outro, o Jerry Adrianni enlouquecia os corações com as suas músicas maravilhosas:
Tudo isso ficou para trás, nos perdemos nos labirintos da vida. Terminado o curso, cada um foi cuidar da sua vida. Nunca mais nos vimos, nem notícias! Não desfrutávamos, como hoje, dessa facilidade para comunicação. As distâncias geográficas nos separaram, pareciam ter nos separado para sempre. Nunca mais tinha me encontrado com minhas ex-professoras, nem com minhas ex-colegas ...
Mas a vida que separa é a mesma que nos põe frente à frente novamente. Um belo dia, minha irmã mais nova, que ficou morando com meus pais até o dia em que eles faleceram, me telefonou:
- Maua! (é assim que ela me chama)
- Maua, vou me casar!
- Quem é o rapaz?
- Ele é de São José do Egito, acho que você não o conhece. Ele veio ser o Juiz da Comarca daqui, de Itapetim.
Conversamos por algum tempo, depois ela resolveu passar o telefone para ele.
Falamos um pouco e ficou acertado que eu iria a Itapetim para conhecê-lo.
Alguns meses mais tarde, o casamento realizou-se na Matriz de São José do Egito, na terra dos seus familiares, eu e meu marido fomos um dos padrinhos.
Chegamos para a cerimônia com um razoável atraso, como de costume, os outros padrinhos já tinham ocupado os seu devidos lugares, os noivos já estavam no altar.
Os pais do noivo posicionados à direita do altar e, do lado esquerdo, onde deveriam estar os pais da noiva havia um vazio, pois minha irmã já havia ficado órfã, nossos pais já eram falecidos.
Ali naquela Igreja enquanto minha irmã dava início a uma vida nova, eu entrava no túnel do tempo, e cobrava da minha memória a montagem de cenas outrora vividas no seio daquela família a quem minha irmã se ligava pelos laços matrimoniais.
Ali na minha frente tinha um noivo de paletó, que tinha um rosto de homem que nas minhas lembranças se misturava a um rosto conhecido na minha meninice. E de repente, era como se eu tivesse escutando novamente:
- Tadeu! ô Tadeu! Tua mãe está chamando para tomar banho!
Meu Deus! Aquele noivo da minha irmã, que estava prestes a se tornar seu marido era o pequenino Tadeu, o primo de Socorro Gomes, o sobrinho de Dona Elvira e de Carminha Gomes, minhas ex-professoras. Era o sobrinho de Dona Toinha, a mãezona da minha turma de colégio. Era o neto de Dona Severina e de Seu Valdevino, que tanta paciência tiveram com aqueles estudantes barulhentos que frequentaram a casa deles.
Era o filho de Beatriz Passos, aquela senhora que ficava sentada numa das poltronas da sala ( cujo esposo, José Silva, fazia o curso de Direito em Caruaru) olhando aquela equipe elaborar os seus trabalhos, enquanto seus filhos brincavam na calçada.
Aquela cena remontada na minha memória eu poderia chamar de "nuances d'alma", mas não vou fazê-lo em respeito aos direitos autorais do título do livro que a poetisa Beatriz Gomes dos Passos publicou em 2010, e que eu tive a honra de ser convidada para o seu lançamento, aqui em Recife, na Casa da Cultura.
No livro, como que em recompensa de um passado que se perdera, Beatriz homenageia um "presente em comum" que a vida nos deu, como elo de resgate daquela amizade que no passado nos uniu, pois, eis que seus netos são também meus sobrinhos: Danilo e Ana Beatriz, frutos da união de minha irmã Rita de Cássia com seu filho José Tadeu Passos.
UMA LUZ DE ESPERANÇA
(De Beatriz Passos para Danilo)
Eu te dou com meu beijo esse presente,
Pois agora és a minha inspiração.
Maravilha de todo sol nascente,
Esperança de mais renovação.
Tua vinda me fez bem consciente
De que não vou sentir mais solidão
Pois estou bem feliz e consciente
Deste amor que te dou do coração.
Transformaste o meu mundo em alegria
Com teu riso que muito me encanta
Nesse olhar transbordando a poesia,
Que me fez retirar toda tristeza
E sentir-me feliz de forma tanta
Meu amor, perfeição da natureza.
LUZ SUBLIME
(De Beatriz Passos para Ana Beatriz)
Tens no olhar a expressão da poesia,
Revelando o poder da criação
Nessa face tão meiga de alegria,
Transmitindo a divina inspiração.
No acalanto da pura melodia
És estilo de graça e perfeição.
Atraente tal qual a luz do dia,
Porque és dom de Deus, sublimação.
... Que assim repassaste de grandeza.
És criança mimosa e majestosa,
Criação divinal da natureza.
LANÇAMENTO DO LIVRO NUANCES D'ALMA
Da Poetisa Beatriz Gomes dos Passos e Silva
Casa da Cultura - Recife - PE
04/12/2010
Poetisa Beatriz Passos - Autografando
Ao Som do Grupo Encanto e poesia, que fez sua apresentação durante o evento, um dos componentes é seu neto Greg Marinho.
"O grupo nasceu de improviso, como tudo que ele faz. Numa apresentação do poeta Antonio Marinho, no restaurante Sala de Reboco, como abertura de um show do Poeta e Cantor Renato Teixeira. Na circunstância, sem combinar nada, o irmão de Marinho, Greg, pegou o violão e começou a acompanhar o recital, dando a ele cadência e musicalidade. Depois apareceram um zabumbeiro e mais um percussionista no palco e, sem ensaio, um espetáculo pronto surgiu. Era o ano de 2005. Desde então, de forma natural o grupo vem modificando a sua formação tendo sempre fixos os irmãos Antonio Marinho, Greg Marinho e Miguel Marinho.
O grupo traz como referência, Lourival Batista, Antonio Marinho, Job Patriota, Rogaciano Leite, Cancão, Lamartine Passos e Zeto são algumas das fontes nas quais eles bebem. Têm andado o Brasil inteiro fazendo shows, e este ano colocarão na rua o seu primeiro CD. A formação atual do grupo é a seguinte: Voz e cordas - Greg Marinho Voz e efeitos - Antonio Marinho Pandeiro e voz - Miguel Marinho Percussão e efeitos - Junior Teles"
A poetisa Beatriz Passos é casada com o Advogado, também grande poeta, Dr. José Silva.
Mãe de nove filhos.
Professora graduada em Letras.
Lecionou durante 28 anos, reside em São José do Egito, hoje é aposentada, tendo dedicado seu tempo livre a escrever livros, esse é o segundo, o primeiro foi editado em 1999 :
" Nos Passos da Poesia".
Ouça algumas poesias declamadas pelo poeta Marcos Passos (filho da poetisa)
"MOCIDADE É UM VENTO PASSAGEIRO
BEIJA A FACE DA GENTE E VAI EMBORA"
7 comentários:
Sinto-me gratificado, por tomar
conhecimento, de uma história tão
linda, da poetisa Beatriz Passos,
Apesar de ter vivido em Patos,
sempre fui a São José do Egito, o
que ela narra, vieram nas minhas
lembranças, muitas saudades, Beatriz Passos, de nome belo, o
qual eu coloquei, o mesmo nome na
minha neta, que ficou Beatriz Maria, hoje com 11 anos. Eu te
agradeço, já te conhecia de nome,
hoje sou seu fâ, o que é belo, é
para ser admirado. Muitas felicidades, a toda família Passos.
Os sonetos são de uma beleza genial. João Ventura
Minha querida cunhada Lusa:
Fiquei deveras sensibilizado pela magnífica demonstração de carinho com a minha família, sua também por adoção fraternal.Uma volta ao tempo, marcada pela lembrança viva de tantos entes queridos, especialmente Tia Elvira e Tia Toinha. Era exatamente isso que você tão bem descreve. Quanto a mim, como se diz na nossa terra, "pense num menino danado". Mas o tempo passou, mudamos nós todos, mas na certeza de que o marco maior em cada um de nós permaneceu: o sentimento de amizade, amor, carinho, entre aqueles que nos são caros. Por fim, falar de minha mãe na forma meiga e terna, só me faz pensar que vale a pena viver cercado de pessoas tão maravilhosas, entre elas, você e sua família, hoje minha também. Um GRANDE BEIJO NO CORAÇÃO.
Tadeu Passos.
Tudo nessa vida se entrelaça com tanta naturalidade que sequer paramos para analisar os fatos.
Eu conheci Tadeu quando estava grávida da minha filha Maria Rita, nesse período eu ia muito à casa da minha irmã Rita de Cássia. Lá chegando, presenciava o interesse que ele deixava transparecer pela minha irmã. Eu sempre eu dizia: Cóia ( assim a chamamos),esse rapaz está louco por você e ela respondia: Minha irmã, pelo que sei ele já é noivo. Mas eu lhe dizia que casamento se acaba na porta da igreja, quanto mais noivado.
Muitas vezes, depois que minha filha nasceu, fui à Patos, uma cidade vizinha, no estado da Paraíba, levar Maria Rita ao pediatra, juntamente com Rita de Cássia e quando víamos ele estava seguindo o nosso carro, rssss. Hoje, casado com minha irmã, é um cunhado querido que ocupa o espaço do pai que ela não teve, ela o tem como um pai no coração e minha irmã como uma mãe. É alucinada por eles. Ela o chama "papai" e minha irmã ela chama de mamãe Tate. Quero dizer com isso, que tudo se arruma dentro da LEI DA CRIAÇÃO, que somos seres entrelaçados através das pluralidades da existência, nada é por acaso, nem ninguém nos é direcionado sem um objetivo. O espaço vazio de um pai, no coração da minha filha, foi ocupado por ele, por isso não sofreu os transtorno tão pertinentes às crianças que sofreram a desventura de não terem covivência com seus pais biológicos. . Deus sabia que teria que ser assim...
Obrigada, Dona Beatriz, por ter nos dado seu filho, ele para representa para nós, para mim e minha filha, um imenso presente, e, nós sentimos por ele enorme gratidão, afeto, e muito carinho.
Entrego-o constantemente ao PAI , e sempre ensino a minha menina a amá-lo como um verdadeiro pai.
Parabéns, Dona Beatriz, pelos lindos poemas dedicados aos meus sobrinhos, Danilo e Ana, seus netinhos, que também são meus sobrinhos queridos.
Lusa,
Memória como a tua é uma dádiva divina. Observei com atenção toda a história da escritora Beatriz Passos e como Dr. Tadeu veio formar esse elo de amor e cumplicidade com a Família Piancó.Senti em Maria Rita, sua sobrinha, um carinho e atenção muito especial pelo Dr.Tadeu, assim, como se fosse um pai, ela se refere a ele com muita ternura e confiança.
Lusa, diante da descrição e narrativa da história do Dr.tadeu, da Professora Beatriz Passos e familiares, pelo nível dos teus comentários, depoimentos e esclarecimentos, acho mesmo que errastes de profissão deverias ser jornalista, escritora ou advogada, pois és guardiã do meio ambiente, defensora dos humildes e injustiçados, caçadora de talentos, preservadora dos valores morais e religiosos, conhecedora da história, dos costumes de cada estado do Brasil, pesquisadora, inovadora e atualizada...
Um abraço de Carlinda
Lusa, fiquei emocionadíssima quando li as mensagens no seu blog. Parece que eu me via também brincando com Dêda e Lamartine na calçada da casa de tia Toinha. Eu era a criança que dava mais trabalho a ela e me lembro que ía muita gente estudar na casa de "madinha", minha avó. Eu fiz até umas décimas com a rua de tia Toinha. Tem no livro de mamãe. Obrigada, Lusa, você descreveu bem demais esse passado tão presente em minha mente. Um grande abraço e saiba que acho bom demais tê-la na nossa família.
Cármem Beatriz Passos
...
Lusa conta histórias
Com majestade e sabedoria
Encanta a todos com sua prosa
Sempre terna e com simpatia.
Do humilde ao mais rico
Ela narra as memórias
Investiga,copia e cola
Com muita paciência
E o que fica para nós
É fantástico, tem essência!
Agradeço a partilha
De tão caras lembranças
No blog Raízes
Tem amor e confiança.
...
Um abraço,conterrânea.
Linda Simões
Amei, Lusa...obrigada de coração, pela bela homenagem à minha amada mãe!!! Abraço!
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